Há algum tempo, Paula, uma amiga católica casada com outra mulher, estava me contando que nós, como Igreja Católica, vivemos um momento de grande esperança para as pessoas LGBTQ. Confesso que inicialmente fiquei perplexo com essa afirmação, mas acabei concordando com ela.
De fato, a abertura do pontificado do Papa Francisco – que foi definido pelo sonho de uma igreja indo para as periferias – também gerou espaço para a escuta e o acompanhamento de pessoas LGBTQ. Com essa observação, nem a Paula nem eu ignoramos, com esta constatação, o grande caminho ainda por percorrer. Tampouco desconsideramos as dificuldades que muitos católicos LGBTQ enfrentam em suas comunidades.
Nos últimos tempos, no entanto, é notável que há uma nova abordagem dessa realidade no mundo católico.
O pontificado do Papa Francisco é marcado por uma nova fase de recepção ao Concílio Vaticano II. A redescoberta de conceitos e categorias, como “uma igreja que vai para as periferias” ou o destaque do caráter maternal e misericordioso da igreja, tem sido de grande importância para redefinir um modo de ser comunidade mais próximo à semelhança de Jesus.
O princípio muito caro a Francisco de que “a realidade é superior à ideia” (“A alegria do Evangelho,” 233) tem aberto caminhos para uma teologia e moral sexual que—na senda de “Gaudium et Spes“—dê prioridade à vida concreta e fomente a escuta daqueles que se encontram à margem da comunidade, nomeadamente das pessoas LGBTQ.
Simultaneamente, o atual Sínodo dos Bispos, e a consulta ao povo de Deus em curso, bem como os gestos de aproximação do Papa e a solidariedade de vários membros da Igreja, incluindo da hierarquia católica, aos desafios que as pessoas LGBTQ atravessam, constituem claros sinais de que “estão a surgir coisas novas” (2 Cor 5, 17).
Esse ambiente eclesial, por um lado, gera maior liberdade para as pessoas LGBTQ saírem de seu anonimato e invisibilidade. Por outro lado, incentiva a reflexão teológica muito necessária e o debate dentro da igreja sobre essas questões. Isso permite que os agentes pastorais tenham maior criatividade para acolher, acompanhar e propor caminhos para as pessoas LGBTQ em seu caminho de santidade.
Há, no entanto, muito a ser feito para que uma Igreja que acolha a todos em sua singularidade e diversidade se torne uma realidade. Se, em um nível, uma apreciação mais profunda dessas questões é uma jornada lenta, a vida concreta das pessoas LGBTQ, que buscam viver em suas comunidades no estilo de Jesus, exige respostas urgentes.
Em muitas partes do mundo, incluindo Portugal, estamos ainda numa fase muito inicial deste processo. Na verdade, as pessoas LGBTQ nas paróquias, movimentos, escolas e grupos cristãos são forçados a uma situação de invisibilidade geral. É verdade que eles estão presentes e desempenham papéis ativos nesses espaços.
No entanto, falta uma cultura de abertura, acolhimento e respeito, para que as pessoas LGBTQ possam aceitar e integrar plenamente suas identidades afetivas e sexuais. De modo geral, meios de acolhimento e acompanhamento direcionados especificamente às pessoas LGBTQ, oferecidos abertamente pelas comunidades cristãs e capazes de atender suas buscas, questionamentos, anseios e necessidades, são praticamente inexistentes na igreja.
Por outro lado, a ausência de um acompanhamento explícito à pastoral das pessoas LGBTQ depende muito da abertura e acolhimento dos próprios agentes pastorais, em sua maioria clérigos. Ainda há grande resistência, em muitas comunidades, à criação de grupos de oração, compartilhamento e apoio voltados para pessoas LGBTQ. Um dos argumentos apresentados para isso é que as pessoas devem fazer parte da missão de suas comunidades, e que sua orientação sexual ou identidade não deve ser motivo para a criação de grupos específicos.
Aqui reside um ponto central: é justamente porque a Igreja Católica tem uma posição ambígua sobre esta questão que é difícil acolher, integrar e acompanhar as pessoas LGBTQ em suas comunidades, e é por isso que são necessárias ações visíveis direcionadas diretamente a essa comunidade .
Portanto, enquanto nossos espaços ainda forem caracterizados por atitudes homofóbicas, bifóbicas e transfóbicas, e enquanto muitas pessoas LGBTQ enxergarem as igrejas como lugares inseguros, é urgente tornar nosso acolhimento explícito e claro, sem deixar espaço para ambiguidades.
Necessitamos enquanto Igreja, particularmente em Portugal, de oferecer propostas claras e profundas de formação das consciências, de acompanhamento e discernimento, para que as pessoas LGBTQ possam responder, de modo criativo e fiel ao essencial do Evangelho e da tradição eclesial. Todas as pessoas, incluindo os católicos LGBTQ, são convidadas pelo Senhor à santidade.
Também em Portugal, “estão a surgir coisas novas”, que procuram contornar a situação descrita. É certo que, desde há décadas, alguns agentes pastorais se dedicam ao acompanhamento de indivíduos ou pequenos grupos, e que existem grupos de católicos LGBTQ, sobretudo nas grandes cidades.
Além disto, no último ano, pela iniciativa de um grupo de leigos, a que se juntaram alguns padres e religiosos, nasceu o SOPRO, um movimento que pretende “fomentar um ambiente de respeito e aceitação para com pessoas LGBTQ … em Portugal”.
Embora tenham sido dados passos para chegar aos católicos LGBTQ em Portugal e haja motivos para esperança, ainda há um longo caminho a percorrer. É agora uma tarefa urgente oferecer caminhos para que as pessoas LGBTQ se sintam não apenas acolhidas – no sentido de não serem rejeitadas – mas que possam descobrir e desenvolver sua vocação cristã, uma maneira de encontrar Deus na concretude de suas vidas e de anunciando a alegria do Evangelho.
Uma versão em inglês deste artigo pode ser encontrada aqui.
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